Metamorfose

Metamorfose
Parafraseando Raul Seixas: "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo (...) Eu vou lhes dizer agora o oposto do que eu disse antes!"

sábado, 20 de novembro de 2010

Fenômeno

(Renata Maurício Sampaio)

A Vida segue seu curso natural:
É um rio.
Muitas vezes beleza,
Outras, tristeza,
O vazio.

A Vida-Rio desliza por entre as pedras do Acaso
Pedras que edificam sonhos
Mas promovem também  o fracasso
Tornando o trajeto sinuoso e medonho.

 Oh Rio-Vida!
Ajude o dia a vestir seu manto escuro,
Mas presenteie os mortais com a claridade
Que amanhece o incerto futuro
E  traz serenidade.

Transforme as turvas águas
Na fonte  mais cristalina e pura
Lave do meu coração as mágoas
Não deixe minha vida escura!

Goteje sob  meus dedos sutis
E  inunde meu Ser de esperança.
Escape dos meus desejos vis
Quero ser novamente criança!

Abro-te, ó Vida, caixinha de surpresas,
Retiro de ti um momento  jamais vivido.
Embriago-me sem  defesas
Feito uma criança que sorri para o desconhecido.

Assim também procedo:
Como o rio
Na tentativa de vencer o medo,
Sigo em frente, choro e rio.

Quero desaguar-me no Mar do Indescritível
Viver um momento imprevisível
E experimentar sensações inimagináveis
Fontes de prazer inesgotáveis.

Vou soçobrar e vir à tona novamente
Mergulhando incessantemente
Com o fôlego das criaturas imortais
Que não se contentaram com a beira do cais.

E,  quando for chegada a minha hora
Quero beijar sorrindo  a face fria da Morte
Porque vivi o Agora
E cumpri minha Sorte!

sábado, 6 de novembro de 2010

A banalização da tragédia

Lamentavelmente, a tragédia sempre esteve presente em situações reais da nossa vida cotidiana. Ela é insinuada nos clássicos literários desde a Grécia Antiga até a literatura atual, numa tentativa de enfatizar os conflitos individuais e coletivos característicos da complexidade humana.

Com o advento da modernidade, a atmosfera trágica vem fazendo parte da vida das pessoas como nunca antes, pois a falta de tempo e o corre-corre em que se transformaram suas vidas desfazem os laços de afetividade, amizade, companheirismo e afeto: o outro passa a ser visto como um ser qualquer, sem a menor importância.

 Tudo isso é tão explícito que pode ser observado nas letras de músicas, programas e noticiários de televisão, jogos de videogame e informática, os quais acabam por incentivar e conduzir as pessoas a praticarem atos violentos, que quase sempre resultam em destruições e fatalidades.

Tornou-se trivial conviver com manifestações de loucura e violência, em que as pessoas praticam o mal e projetam para fora toda a descarga agressiva que, consciente ou inconscientemente, faz eclodir sentimentos negativos e destruidores, como guerras, revoluções, torturas, acidentes fatais, crueldades de todos os tipos, assassinatos, suicídios, estupros, seqüestros e atentados terroristas, dentre inúmeras outras circunstâncias que estão ao nosso redor.

Certa feita, presenciei a cena cabal de uma inimaginável inversão de valores: Um grupo de pessoas, do qual eu fazia parte por acaso, assistia ao noticiário local, que registrava, do alto do helicóptero, por meio do mais elevado grau de sensacionalismo, com câmeras acopladas em todos os lugares (im) possíveis para que nós, telespectadores, acompanhássemos a cena dantesca do melhor ângulo, o seguinte acontecimento: Ameaça saltar do décimo andar do arranhacéu um pai de família, calejado, sofrido, desempregado, por não mais suportar a dor de ver seus seis filhos e esposa passando fome, sede e frio...

Tamanha foi a minha perplexidade ao constatar que a maioria dos telespectadores ali presentes, de olhos fitos na tela, recolhidos no alto de suas frias e desoladas torres, torciam, implícita ou explicitamente, para que aquele senhor pulasse logo... Após cada chamada de comercial, esperavam-se as cenas dos próximos capítulos. Ao me deparar com aquele episódio, regressei inconscientemente à Roma antiga, à época em que o deleite da plebe brutal  se resumia na enérgica torcida para que o leão, solto na arena (cuja fome despertava sua ferocidade nata) devorasse aquele pobre elemento humano, já fadado a transformar-se em vítima fatal, localizada no centro da esfera de ação daquele animal de juba eriçada.

Um desfecho inesperado, em ambas as cenas, tal como (paradoxalmente) a ausência da tragédia, faria com que os olhos dos espectadores faiscassem de raiva e desapontamento. E se, de repente, a fera ali agisse como um cãozinho acariciado por seu dono? E se aquele senhor resolvesse não saltar? E se houvesse um momento de iluminação, epifânico, e um lampejo de consciência envolvesse aquela pobre alma, fazendo-a desistir do suicídio? Certamente reinaria, naquela sala, bem como naquele momento bárbaro, a frustração e o descontentamento, dada a inclinação para o mal da essência humana.

Fatalmente, a tragédia transformou-se em algo tão banal e rotineiro que as pessoas não se sentem sensibilizadas, chocadas ou ao menos assustadas quando se deparam com tais situações; tornam-se  omissas e alheias às injustiças do mundo,  e isso faz com que elas alimentem seus egoísmos e estejam despreocupadas em zelar pela harmonia e o bem-estar de todos.

Começo a compreender que falar em “humanização” do ser humano não constitui um pleonasmo vicioso...