Metamorfose

Metamorfose
Parafraseando Raul Seixas: "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo (...) Eu vou lhes dizer agora o oposto do que eu disse antes!"

sábado, 6 de novembro de 2010

A banalização da tragédia

Lamentavelmente, a tragédia sempre esteve presente em situações reais da nossa vida cotidiana. Ela é insinuada nos clássicos literários desde a Grécia Antiga até a literatura atual, numa tentativa de enfatizar os conflitos individuais e coletivos característicos da complexidade humana.

Com o advento da modernidade, a atmosfera trágica vem fazendo parte da vida das pessoas como nunca antes, pois a falta de tempo e o corre-corre em que se transformaram suas vidas desfazem os laços de afetividade, amizade, companheirismo e afeto: o outro passa a ser visto como um ser qualquer, sem a menor importância.

 Tudo isso é tão explícito que pode ser observado nas letras de músicas, programas e noticiários de televisão, jogos de videogame e informática, os quais acabam por incentivar e conduzir as pessoas a praticarem atos violentos, que quase sempre resultam em destruições e fatalidades.

Tornou-se trivial conviver com manifestações de loucura e violência, em que as pessoas praticam o mal e projetam para fora toda a descarga agressiva que, consciente ou inconscientemente, faz eclodir sentimentos negativos e destruidores, como guerras, revoluções, torturas, acidentes fatais, crueldades de todos os tipos, assassinatos, suicídios, estupros, seqüestros e atentados terroristas, dentre inúmeras outras circunstâncias que estão ao nosso redor.

Certa feita, presenciei a cena cabal de uma inimaginável inversão de valores: Um grupo de pessoas, do qual eu fazia parte por acaso, assistia ao noticiário local, que registrava, do alto do helicóptero, por meio do mais elevado grau de sensacionalismo, com câmeras acopladas em todos os lugares (im) possíveis para que nós, telespectadores, acompanhássemos a cena dantesca do melhor ângulo, o seguinte acontecimento: Ameaça saltar do décimo andar do arranhacéu um pai de família, calejado, sofrido, desempregado, por não mais suportar a dor de ver seus seis filhos e esposa passando fome, sede e frio...

Tamanha foi a minha perplexidade ao constatar que a maioria dos telespectadores ali presentes, de olhos fitos na tela, recolhidos no alto de suas frias e desoladas torres, torciam, implícita ou explicitamente, para que aquele senhor pulasse logo... Após cada chamada de comercial, esperavam-se as cenas dos próximos capítulos. Ao me deparar com aquele episódio, regressei inconscientemente à Roma antiga, à época em que o deleite da plebe brutal  se resumia na enérgica torcida para que o leão, solto na arena (cuja fome despertava sua ferocidade nata) devorasse aquele pobre elemento humano, já fadado a transformar-se em vítima fatal, localizada no centro da esfera de ação daquele animal de juba eriçada.

Um desfecho inesperado, em ambas as cenas, tal como (paradoxalmente) a ausência da tragédia, faria com que os olhos dos espectadores faiscassem de raiva e desapontamento. E se, de repente, a fera ali agisse como um cãozinho acariciado por seu dono? E se aquele senhor resolvesse não saltar? E se houvesse um momento de iluminação, epifânico, e um lampejo de consciência envolvesse aquela pobre alma, fazendo-a desistir do suicídio? Certamente reinaria, naquela sala, bem como naquele momento bárbaro, a frustração e o descontentamento, dada a inclinação para o mal da essência humana.

Fatalmente, a tragédia transformou-se em algo tão banal e rotineiro que as pessoas não se sentem sensibilizadas, chocadas ou ao menos assustadas quando se deparam com tais situações; tornam-se  omissas e alheias às injustiças do mundo,  e isso faz com que elas alimentem seus egoísmos e estejam despreocupadas em zelar pela harmonia e o bem-estar de todos.

Começo a compreender que falar em “humanização” do ser humano não constitui um pleonasmo vicioso...

7 comentários:

  1. Legal pra caramba! Beijo she renata.

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  2. Acaba q com a frequência algumas coisas se tornam normais... infelizmente!
    Belas palavras!!! Adorei...
    Bjao!

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  3. Eiii Renata!

    Muito bom o texto, parabéns!

    Lembrei das batalhas de gladiores que tanto "animavam" seu público.

    É verdade também que essa banalização da tragédia não acontece apenas hoje...

    Grande abraço!

    Daniel Maia

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  4. Amiza cada dia mais me orgulho d ter vc como amiga sabia??!! vc realmente é FASHION! e este texto é maravilhoso! penso q vc consegue atingir o mais íntimo de todos q o lê. Addooorrroo! e morro d saudade!! Bjoks! Vânia Ramos

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  5. Lindo seu blog, acho que o nome está perfeito: letras cravejadas de sensibilidade e brilho próprio, coisas assim, devem -sem dúvida- residir em um RELICÁRIO. O texto? Uma jóia personalizada aos requintados moldes do eu "Renata". Parabéns e que bom que o "tempo chegou"! Bj gigante!

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  6. I ai Nega...
    Realmente seu texto é fantastico e mostra a realidade. A realidade da inversão dos valores e da industria da violência. A violência que é alguém abrir mão da prórpia vida e o fato das pessoas não se sensibilazarem com isso. As pessoas estão massificadas a tal ponto que não se espantam mais com a violência, com a tragédia. Daí vem a inversão dos valores, a morte toma o lugar da vida, a violência e a tragédia tomam o lugar da paz. Mas o que mais incomoda é a naturalidade das pessoas diante de tudo isso. Nessas situações eu sempre recordo de Mário Quintana, em seu livro Baú de Espantos ele pede a Deus (como ser absoluto e abstrato) que nunca tire dele a capacidade de se espantar com os fatos, com as pessoas, com tudo.

    Seu Bolg está muito legal e seu texto realmente fantastico. Nada de mais afinal... foi você quem fez. Abração e aparece aqui.

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